Zeca Pagodinho já não canta sozinho,com o discípulo Dudu Nobre a tiracolo.O samba de raiz tem novo gladiador contra os moinhos (em fase de desativação) do pagode de butique na pele do paulista Celso Viáfora em seu Basta um tambor bater (Jam Music). Bem, novo é força de expressão. Para quem acha que a MPB é natureza-morta, Celso,41, tem nada menos que 22 anos de ralação.

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Começou no show Terra morena, em 1979, aos 19 anos, na sala Funarte carioca e debutou em disco em 1986, no coletivo Trocando figura, ao lado de César Brunetti e a dupla Jean & Paulo Garfunkel. Participou de inúmeros festivais, foi gravados por Fafá de Belém (“Cio[Baby doll]”), Ney Matogrosso (“A cara do Brasil”), Vânia Bastos(“Linda de Lua”) e Eduardo Gudim (“Minha cara no espelho”) e muitos outros.

Conseguiu  até algum sucesso no norte com “Não vou sair”, na voz do paraense Nilson Chaves. E recentemente aliou-se a Ivan Lins, com quem já compôs trinta músicas, duas incluídas no disco.Uma delas, “Diplomação”, com a participação do co-autor e mais o vocal do MPB 4. A cantora Beth Carvalho também reforça o time em “Chora”.Embora uma puxe mais para a congada, outra para o maxixe e uma terceira resvale na canção, todas as doze faixas do CD são sambas, na maioria, simples,diretos, sem cabecismos ou vanguardices que possam servir como desculpa para não tocar nas nossas sanitizadas FMs.

Viáfora abre o disco na lenha,batendo um samba-empolgação,Mais bonito”, calçado no tamborim repleto de negaças e contracenas com o coro. Na letra, o detalhe requintado do autor bóia na simplicidade  das imagens:”Mas aquela que mais amei na vida/ mesmo sentida, me telefonou/ disse que no fundo ainda me ama/ e que eu falto nela/ tanto quanto ela falta em mim”. A seguinte, o partido “Dia lindo”, arranjo do mestre da matéria Rildo Hora, cavaco de Mauro Diniz e banjo de Arlindo Cruz, tem um refrão grudento e convocação de outras influências: “Iaô, diga o que há?/ chama o povo lá de cima/ pro tambor de mina”.”Chora com Beth Carvalho, é um samba lento que poderia resvalar para a baba não fosse a corrosão poética: “estamos fartos de sentir saudade/ então, depois de abrir o gás/ um brinde de aguarrás/ pro nosso amor beber no fim da tarde”.O samba nagô “Tabaréu” (com o mais assíduo parceiro Vicente Barreto) sucede aos reclamos sociais do partido meio calangueado “Sonhando no trilho”( eu, por enquanto só quero um lugar/ pra viajar sentado/ o trem tá lotado”), com direito a versejada irônica no final.

A condução apinhada (“nunca mais ônibus cheio/ e trocador de cara feia”) volta ao tema aliciante de “Bola cheia” (“se eu guardasse o que me levou/ a cachaça, a folia e o amor/ tinha no banco saldo credor”), guiado pelos corcoveios do clarinete de Dirceu Leitte.O refrão é da hora: “nem polícia perguntando aonde eu vou/ rico não vai pra cadeia”.A  chaga social do país lateja com bom humor em “Papai Noel de camiseta”, já gravada por Ivan Lins. Cantando do xará (Noel Rosa) o “Palpite infeliz”, o bom velhinho pincelado por Viáfora “ estenderá uma toalha na sarjeta/ em qualquer praça ou subúrbio do país”. Também gravada pelo mesmo parceiro, Ivan Lins,”Emoldurada” incensa a Portela de Monarco e Paulinho da Viola. Mesmo nos sambas mais convencionais, como o arrasta-povo “Lá vem você “, o autor/ cantor dá seu toque poético de trivela (“você que tem o mapa dos meus caminhos/ a linha pra cor dos meus linhos/ a pele certa pros meus carinhos”).É como disserta o manifesto “Diplomação”__ outra parceria com Ivan Lins, no microfone ao lado do MPB 4 __ que soa  como um auto retrato do artista ralador: “Claro que eu tenho em mim/ as marcas dos tempos ruins/ mas sou estudante é da felicidade/ e um dia eu chego lá”.A letra ainda rebate o fino sambista baiano Batatinha em “Diplomacia” (‘meu sofrimento ninguém vê/ sou diplomado em matéria de sofrer”), gravado por Maria Bethânia: “Se a vida é mesmo diplomação/ em sofrimento/ eu quase nunca faço a lição/ que é pra não aprender”.

Será que desta vez Viáfora emplaca e deixa o escaninho das promessas? Será que Gal desce do pedestal e grava música dele? Não percam o próximo capítulo do interminável novelo dos velhos novatos da MPB.